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Relacionar, memorizar, escolher, eliminar, longe
da passividade e do amorfismo abúlico propalados, demonstram que
a leitura é um acto tipicamente premeditado e activo. E tudo isto,
curiosamente, coincide com as teorias pós-modernas das práticas
significantes, que argumentam que cada leitura é uma re-escrita...2
Segundo, quando os pós-modernos fazem generalizações sobre a escrita
"esquecem-se" de caracterizar o tipo de leitores que têm em vista:
não terão concerteza em conta destinatários praticamente iliterados,
pobres ou com deficiências visuais, fazendo pontaria muito mais
para cima, para "grupos-alvo" sofisticados, cultos e com um poder
de compra elevado.
Também se "esquecem" de referir aos tipos de leitura que constituem
o objecto dos seus projectos, mas podemos estar certos que produtos
tão desinteressantes como textos educativos, relatórios, formulários,
especificações, roteiros, listas de preços, mapas, diagramas, rótulos
de alimentos e medicamentos, dicionários, horários, manuais de instruções,
não fazem parte do seu port-folio... Os pós-modernos preferem concerteza
corporizar os seus argumentos em projectos de categoria mais elevada,
preferencialmente no âmbito mais privilegiado da "cultura", da "arte"
ou da "literatura", assumindo a leitura como um acto de consumo.Terceiro,
a "tipografia reactiva"3, justificada como resposta à alegada demissão
dos leitores, não passa de um novo rótulo para uma teoria e uma
racionalização já velhas e estafadas. Sobre este assunto, a gritaria
de Marinetti, nos idos de 1909, dispensa comentários.4 Por último,
a fábula do paraíso perdido (antes as pessoas liam, agora vêem vídeos)
traz implícita a ideia da necessidade de um design agressivo, dado
que as escolhas dos leitores são mediadas pelo mercado. Para sobreviver
aos caprichos desse mercado, as mensagens têm de ser ostensivamente
diferenciadas, mais para atraírem as atenções do que para encorajar
os leitores a discriminar, seleccionar e optar num sem fim de alternativas
e oportunidades de consumo. Um texto hiperactivado é como tentar
ler um livro que já foi sublinhado e anotado por um idiota que destacou
frases sem qualquer relação com aquilo que contamos obter com a
leitura do livro, obrigando-nos a realizar um esforço adicional
para conseguir chegar à mensagem inicial.5 As coisas não mudaram
assim tanto. Antes, os designers preocupavam-se em dar nas vistas;
agora procuram teorias para justificar por que querem dar nas vistas.
Para subir na elite criativa têm primeiro que cunhar uma marca pessoal
bem visível. O resto é acessório. A sobranceria que nutrem pelas
pessoas não se confina às artes gráficas ou à tipografia. No design
industrial, de moda, de produtos, enferma-se dos mesmos sintomas.
Basta passar os olhos pelas publicações periódicas da especialidade
para ficarmos com uma ideia do que movimenta actualmente o mundo
do design. Surgem abordagens notáveis e conceitos inovadores, mas
nota-se muito pouca preocupação em desenvolver projectos funcionais,
utilizáveis ou compreensíveis. Muitas áreas não-tão-espectaculares-assim
do design, mas que desempenham um papel importante na nossa existência,
não são tomadas em conta, ou se o são, resultam normalmente numa
parada de horrores. A tipografia moderna não é uma moda. Consiste
na verificação razoável daquilo que é necessário, e na determinação
das condições adequadas (e razoáveis) para a sua concretização.
Se as condições técnicas e sociais mudaram, a solução não passa
por espalhar manchas irregulares, texturas, graffitti e fotos duotone
desfocadas ou com os limites desmaiados sobre ou sob malhas de caracteres
tipográficos ilegíveis ou conflituosas. Quando os signos tipográficos
se tornam um mero material gráfico, utilizado como uma espécie de
quadrícula onde se sobrepõem símbolos e texturas, a escrita reduz-se
à categoria de um banal objecto estético.
Conjugar o novo com os velhos pressupostos do texto impresso, da
palavra visível, é mais difícil, porventura menos espectacular,
mas é aí que reside a essência do design. Os designers tipográficos
poderão polvilhar os seus discursos com alguns pozinhos de pós-modernidade
(e eventualmente, se o negócio correr bem, acrescentar um ou outro
vocábulo ou expressão idiomática da gestão empresarial), mas estão
condenados a regressar vezes sem conta à rusticidade simplória do
ponto de partida: a leitura dos textos continua a assentar em 26
míseros signos que persistem, pela sua simplicidade, em funcionar
com eficácia. Mas, no fim, será que isto tem alguma importância?
Como tantas outras modas, esta ideia do design auto-expressivo,
estes exercícios de estilo des-construídos, vanguardistas e pós-modernos,
estão destinados ao esquecimento. Ficarão uns resíduos arqueológicos
espalhados pelos manuais da história do fim do milénio, porventura
um ou outro espasmo revivalista dentro de 50 ou 100 anos, mas a
questão central do design, tal como foi formulada na Bauhaus, ainda
está por ultrapassar.
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