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DESIGNARCISISMO
"A idéia nuclear é que o design se baseie na
auto-expressão: se parece excelente, se ficou espectacular, é o
que interessa. Depois do aspecto, e em plano estritamente secundário,
vem a aprovação pelo cliente e a receptividade do público."
Esta declaração-tipo, proveniente de muitos designers contemporâneos,
condensa com uma sinceridade desarmante o programa do design auto-expressivo.
Mas como este tipo de afirmação parece pouco fundamentado teoricamente,
foi necessário preencher o vácuo com alguns considerandos mais complexos
e sofisticados. Assim, o design não deverá ser demasiado simples
em nenhuma das suas fases: desde a sua concepção, desenvolvimento
e realização até ao momento final de uso pelo consumidor, problematizar
é a palavra de ordem. O destinatário tem de actuar, forçado a pensar
naquilo que tem perante si. E se ainda assim o argumento continuar
a parecer demasiado básico, podem-se sempre fabricar versões mais
aperaltadas, recorrendo-se à condição pós-moderna e a abordagens
"radicais" à comunicação: o objectivo é envolver a audiência com
o texto, fazer "trabalhar" os leitores, enfatizando a "construção"
do significado.
O design radical inverte a tendência do texto fluído,
armadilhando-o, problematizando o significado e a linguagem. O leitor
deverá tornar-se um participante activo e deixar de ser um receptáculo
passivo e amorfo. Em suma, pretende-se provocar o espectador, tornando-o
participante na construção da mensagem. Este programa teórico, arrancado
com fórceps da filosofia francesa dos anos 80 e das teorias literárias,
pretende des-construir, estilhaçar e expor os mecanismos manipuladores
da linguagem visual, bem como os diversos níveis de significação
ocultos na trama da mensagem. Baseando-se nas premissas de que a
leitura é passiva, não-criativa, unidimensional, e que os leitores
são subestimulados, demasiado preguiçosos para descobrir por si
próprios que o significado da mensagem é incerto e varaiável, o
design deverá espicaçá-los para a acção - removendo padrões de leitura
típicos e familiares, criando obstáculos, diversões, falsas pistas
- deixando bem claro que a procura da legibilidade e da transparência1
mascara uma atitude reaccionária contra o progresso, a mudança e
a intervenção crítica. Um argumento final para justificar uma tipografia
mais actuante assenta no pressuposto que as pessoas lêem menos,
pois obtêm mais informação de outras fontes.
Os leitores contemporâneos, atraídos por modos de apresentação mais
dinâmicos, exigem arranjos gráficos mais estimulantes. Estas afirmações
merecem uma resposta. Primeiro, não existem evidências que as corroborem.
De facto, a única evidência sobre a leitura indica precisamente
o contrário: "ler" é um conjunto de actividades altamente complexo,
funcionando em muitos níveis, desde o automatismo dos movimentos
oculares às áreas de processamento mais elaboradas. Quando lemos
fazemos escolhas, inferindo e gerando hipóteses - sobre intenções,
relevância, tom de voz, etc.
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